Nos últimos dois anos, vivemos o que intitulo de “complexidade ciclomática”, ou, tempestade perfeita. Tivemos adversidades como a covid-19 no início de 2020 que paralisou toda a cadeia produtiva, gerando como consequência altos índices de inflação e uma forte corrosão na renda dos trabalhadores, a Guerra da Ucrânia, com impacto no crescimento global e causando instabilidade especialmente no mercado de commodities, impactando diretamente a economia brasileira e, por fim, as polarizadas eleições no Brasil, que trouxeram instabilidade e deixaram as decisões de investimentos no país em stand-by. Em paralelo a esses fatores, tivemos uma forte elevação da taxa Selic, de 2% para os atuais 13,75% ao ano, com o objetivo de mitigar os impactos inflacionários.
Todos esses eventos mexeram muito com a estabilidade empresarial, sendo que alguns setores, como o varejo, foram atingidos com muita força com o abre e fecha dos mercados incentivados pelos governos estaduais e municipais, assim como pela maior restrição ao crédito, mais caro e mais escasso no mercado.
A baixa taxa de juros anual em 2020 e meados de 2021 gerou um efeito que nunca se tinha visto na história. Muitos investidores deixaram de alocar recursos em renda fixa para começar a investir diretamente no setor produtivo, mesmo com um maior risco. Esse cenário trouxe um aumento no volume de investimentos em diversos setores, entre eles, as startups.
O montante investido em startups, de acordo com um estudo realizado pela plataforma de inovação Distrito, a pedido da Movile, investidora em empresas de tecnologia na América Latina (entre as quais iFood e Zoop), mostra que o total de investimentos em startups brasileiras entre 2017 e 2021 alcançou o patamar de US$ 17,5 bilhões.
Em 2022, o montante de investimentos foi de US$ 517 milhões em 69 transações, um recuo de 72% em termos de valores na comparação com o mesmo período do ano passado, e de 48% em relação ao 2º trimestre de 2022, segundo a KPMG. A prioridade dos fundos, antes direcionada exclusivamente para crescimento, passou ser a busca por solidez e rentabilidade.
Todo esse desarranjo na economia, algo não previsto e nem projetado pelos melhores especialistas, fez com que a máquina de fazer “unicórnios” (empresas com valor superior a um bilhão de dólares) fosse exaurida e a dinâmica de crescer a qualquer custo saísse de moda. Em vez de unicórnio, o camelo passa a ser o mascote mais adequado.
Os camelos são hábeis em viver em regiões com altas temperaturas, com escassez de água e se adaptam a variações extremas. Esses camelos iniciantes oferecem às empresas lições valiosas para sobreviver, sustentar e crescer em condições adversas.
Além da metáfora do camelo, entra na sala o “bom senso”, muito pouco usado com a abundância de capital sendo jorrado na economia. É como jogar “álcool para apagar o fogo”, uma metáfora para o “blitzscaling”, conceito queridinho do Vale do Silício, que significa construir rapidamente uma empresa priorizando o crescimento em detrimento da eficiência.
O crescimento acelerado com queima de caixa funciona muito bem em uma economia estável, planejável e sem solavancos. Em um mundo complexo como estamos vivendo, essa tese cai por terra. O retorno do “bom senso” nas companhias passou ser mais do que um remédio, é uma forma de sobrevivência e coerência. Já dizia o ditado popular: “deve-se gastar menos do que se ganha”. Logo, fatores como margem líquida e caixa positivos e geração de receitas antes de comprometimento com despesas passaram a se tornar realidade na maioria das startups.
Priorização de um crescimento equilibrado e construído a longo prazo, sustentável e diversificado, pode não apenas proteger as empresas a choques de mercado, mas também pode ser o pilar de crescimento e prosperidade em bons e maus momentos. Em suma, são fatores que transformam a adversidade em uma vantagem competitiva, ou melhor, fazem de uma limonada uma bela caipirinha.